As dores humanas

Author: Alberto Pires /

As cigarras anunciavam que as chuvas não demoravam a chegar; e só em pensar nisso, nossos corações irradiavam de felicidades e prazer. Reuníamos para bolar todas as traquinagens que iriamos fazer; tudo era pura alegria!
Quando os primeiros pingos caiam, os pássaros davam aqueles voos rasantes parecendo que iam tocar em nossas cabeças, os cães latiam incansavelmente, despertando em nós uma sensação de bem estar que só nós quatro entendíamos...
Nas ladeiras da rua de cima, as águas formavam com enxurradas umas cachoeiras; e deitávamos todos enfileirados, um atrás do outro recebendo todos os lixos que vinham com a força das águas; e aquilo parecia tão natural que nem percebíamos o tempo...Com isso cada vez mais nos uníamos e nem vimos o relógio da vida passar...!
Hoje me lembro de cada detalhe daquela poética época e com os olhos marejados posso contar como tudo terminou...
Coema era um descendente de índios com seus cabelos negros e fartos; com sua pele morena jambo, despertava muitas curiosidades; era desconfiado com as pessoas, mas ao mesmo tempo tinha uma ingenuidade que cativava a todos nós. Certo dia ele veio até a cidade comprar mantimentos para seu avô; ao passar por determinada pessoa ele perguntou: - onde fica a estrada da Cacimba? O “cabra” respondeu: - quem conversa com ladrão de terra é bala de revolve, não eu! Coema só olhou nos olhos frios desse senhor e respondeu: - meu povo nada roubou! Fomos humilhados, massacrados e expulsos de nossas terras; esse foi o agradecimento que vocês nos deram! E com um sorriso de desdém o maldito falou: - Vou calar a boca de índio safado, que não sabe ficar calado! E com isso puxou seu facão e degolou Coema, deixando a dor estendida no chão...
Josefina era uma negra linda de ancas fartas. Tinha peitos roliços, boca convidativa e andar sensual! A moça despertava desejos por onde passava, e foi ai que tudo começou...
Um belo dia chegando à casa do Sr. Coimbra para fazer sua faxina, encontrou Dona Anatildes toda ensanguentada; e ela aos pratos dizia: - ele vai me matar! Chegou possuído em casa ontem à noite querendo a todo custo me ter e eu disse que não podia, que estava nos dias de regra, mas ele espumava como um cão com raiva, querendo a todo custo me possuir. Foi então que ele me empurrou; bati com a cabeça e desmaiei. Quando acordei estava toda mordida e babada...
- E agora Josefina o que devo fazer? Dona Ana a senhora tem que frear esses maus tratos! Chega de humilhação! Denuncie na delegacia; e se não consegui, esquente uma panela de óleo e jogue na cara dele, para ele sentir toda a dor que a senhora passa. Somente assim ele jamais vai fazer isso outra vez!
Ao falar essa ultima palavra Josefina percebeu que o louco acabava de entrar na sala, e foi logo dizendo: - vá para a cozinha sua “nêga” maldita! Aqui não é lugar para você! Saia logo daqui, antes que eu faça coisa pior!
Josefina saiu correndo para a cozinha e de lá ouviu Dona Anatildes dizer: - eu podia contar a ela o que você me disse ontem à noite; que é apaixonado por ela, mas que jamais teria algo com uma negra; e por não se perdoar em sentir esse amor, me tortura para punir você mesmo!
Josefina ficou de boca aberta com essa descoberta e ficou entorpecida quando sentiu as pisadas fortes vindas do corredor em direção à cozinha. Ela jogou mais lenha no fogão, colocou uma panela de óleo para esquentar e ficou a espera daquele animal. Antes ele passou no banheiro foi até seu quarto e apanhou algo que havia no guarda roupa; e ela só ouvindo os sons dos moveis se quebrando...
Foi então que ela chamou Dona Ana: - Onde está a senhora? Não ouviu a resposta logo percebeu que algo tinha acontecido. Quando olhou para o fogão, viu que já estava fervendo o óleo; e ai ele entrou na cozinha dizendo: - agora é sua vez negrinha! Você me enfeitiçou e só a um jeito de me livrar desse amor; que é te possuir como sempre quis fazer; saciar meus desejos; pois vocês vieram ao mundo pra nos servir  negros malditos...
Josefina com uma rapidez de uma felina encostou-se ao fogão e esperou a aproximação enfurecida daquele homem; o homem cujo orgulho ferido por ter se apaixonado por uma negra que tanto o desprezava...
Foi então que ela ouviu o gemido vindo da sala; era Dona Ana implorando para que ele não fizesse nada com ela. Antes que o louco retornasse para acabar de vez com aquela alma tão bondosa, Josefina segurou a alça da panela com força; e ficou a espera...
Ele veio como um animal no cio em direção ao corpo quente dela, mais a quentura que ele teve foi à panela de óleo quente em sua face. Em quilômetros de distancia ouviam-se os gritos de dor, mais antes que os seus olhos deixassem de enxergar ele sacou a arma e atirou no peito da negra que tanto amou, dando assim o final para aquele louco momento...
Gertrudes era uma pessoa muito especial; generosa e cuidadosa. Quem tinha sua amizade, era para sempre; não tinha nada nas mãos e trabalhava como uma louca, mais sempre conseguia juntar seu dinheiro para suas necessidades. Com o seu sucesso financeiro despertou a ganância do seu homem. Ela o sustentava e ele, um boêmio cheio de amantes que cada vez mais aprontava.
Ele traia e ela o perdoava; e assim foi passando o tempo e com isso foi idealizando uma relação que não existia, pois o amor dedicado e fiel só vinha da parte de Gertrudes. O seu homem só queria a grana da nossa amiga. Com uma dedicação canina Gertrudes que tinha o nome verdadeiro de Astolfo, que era um cara do bem, amigo, companheiro, parceiro de todos.
Uma noite ele forçou uma briga dizendo que estava com ciúmes do padeiro e exigiu uma prova de amor; essa prova seria uma grana para comprar um carro, com medo de perdê-lo, lhe disse Gertrudes que daria a tal grana; e como recompensa ele chegou uma noite romântica, cheio de amor para dar; e fez todas as suas vontades.
O sujeito havia mudado; naquela noite entorpecida de lascívia ele mudou seus gestos antigos e refez todas as posições que Gertrudes adora; até beijou-a na boca, coisa que ele nunca fazia...
Amou-a noite inteira; e depois dela saciada e com o coração cheio de esperança; achando que tinha encontrado o seu verdadeiro amor, deu a grana como presente. O canalha saiu se despedindo com um beijo apaixonado lhe dizendo que esse nosso amor é para sempre...
Dois dias depois, Gertrudes soube que ele fugiu com uma garota que estava gravida e nem se quer telefonou ou disse a alguém para avisá-la. O desencanto foi tão grande que nossa amiga entrou em depressão e de tanta vergonha de si mesma achou o descanso para a sua dor na morte, aliviando assim a sua trajetória aqui na terra...
Dos quatro adolescentes o único que não teve um final trágico fui eu, mas mesmo assim, como é doloroso contar essa tragédia humana...
Fico sempre a perguntar: - que cor tem a alma humana? Será preciso tanta dor, tanto desprezo, tanto sofrimento? Tudo em nome dos que não se conhecem, não se aceitam e não se respeitam; e por isso são encharcados de preconceitos; não reconhecendo que todas as diferenças são iguais. E juntos sem nenhum tipo de descriminação, deveríamos ser muito mais felizes, em paz com nós mesmos e irmanados na união do amor coletivo!
A alma humana não tem cor, tem sim brilho, muita luz, essa luz que sei está contida em todos os lugares desse nosso planeta.


7 comentários:

Alberto Pires disse...

Ivana Ferreira da Silva disse no face: Parabéns pelo seu blog! B

Alberto Pires disse...

Rodrigo Santana disse no face:Fiquei curioso e li logo.. rsrsrsrs lembrei muito do conto negrinha de Monteiro Lobato

Alberto Pires disse...

Carlos Henrique Mascarenhas Pires “Não há probabilidade de se alcançar as revelações sem a cobiça conspícua de haver o conhecimento” Trecho do documentário "Alma Maçônica" de Carlos Henrique Mascarenhas Pires

Alberto Pires disse...

Ulisses Dumas Uau...essa foi forte... deu pra sentir tamanha angústia com tamanha descrição de detalhes. Parabéns Alberto. Pesado, mais mesmo assim, muito sensível!

Alberto Pires disse...

Rodrigo Santana Costa: História tocante esta Alberto Luiz Pires Silva! O início levou-me de volta a infância e deixou-me muito feliz. Eu amava deitar no calçamento quando chovia/ Brincar de barquinho com as sandálias/ e construir represas com barro vermelho.

Alberto Pires disse...

Vanda Caribé disse no face: Muito bom!!!! Lembrei da minha infância, kkkkkk descendo na enxurrada em uma madeira,ali na Riachuelo, kkkkkkk ia parar em Lício. kkkkkkkk Mas também tem aí o maldito preconceito, racismo... que enciste em permanecer.Só que isso vem de pessoas cultas, porém analfabetas, que não aceitam crescer, viver em paz. Não vão progredir nunca na vida. Vão se preocupar em aumentar seus conhecimentos... " PRECONCEITO, RACISMO,AGRESSÃO A MULHER..." É CRIME DENUCIEM.

Alberto Pires disse...

Lilian Simões disse: Oi Alberto,visualizar a morte do Coema me deprimiu,se isso não foi verídico,és um "assassino frio" rsrsrsrs

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