Os olhos do Sr.Isidoro

Author: Alberto Pires /


O primeiro raio de sol entrou pelas frestas da janela de madeira rachada; tentei ficar mais um minuto na minha cama de lona, enrolada com minha coberta de taco, mas o dever me chamava; tinha que varrer o terreiro, jogar milho para as galinhas, pegar água em um tanque bem longe onde morava. No radio ouvia Amado Batista gritando como louco o quanto amava alguém, e eu sempre me perguntando: -o que é o amor,como começa,até quando dura?
Minha mãe falava todos os dias que não amava o meu pai, que ele foiuma topadana vida dela; e que nunca sentiu nada por ele; e gritava com desatino: - de topada em topada fui tendo vocês! Ela dizia que sentia tanto rancor, tanto nojo, tanto desprezo... Nas noites em que ele exigia que fosse servido, nunca ouvi um gemido, um sussurro, apenas ouvia dizer: - terminou então, para o outro lado... Nunca presenciei um gesto de carinho entre os dois, eles apenas viviam no mundo de cada um... Um dia, quando tinha dezesseis anos, perguntei a ela: - mainha a senhora nunca beijou meu pai ? A resposta foi um murro na boca e meu dente voou longe; e fiquei bom tempo sem sorrir, parecia que eu tinha dito o maior palavrão; e pude perceber que em matéria de carinho minha mãe não sabia nada. Foi vivendo sem ter o conhecimento sobre o que é o amor, apenas ouvia modas de viola tocadas no radio, ai fui deixando a minha imaginação acordar.Todo final de tarde sentava no tronco embaixo de um umbuzeiro e representava comigo mesma uma linda historia de amor! O tempo foi passando e nada mudou, continuava ouvindo as reclamações de minha mãe, as galinhas criaram os seus pintos, o verde tingiu o pasto negro e eu nada sabia sobre o amor...
Quando completei vinte anos começou aparecer um calor em meu corpo, meu vestido de chita colava com o suor, quando andava, minhas coxas roçavam uma na outra e comecei a sentir uma sensação que não sabia o que era; não podia falar com minha mãe, minhas irmãs não moravam mais ali e eu cada dia mais embaralhada com essas manifestações...
No dia 04 de dezembro era a festa de Santa Barbara, minha mãe me mandou comprar uma vela na venda do Sr. Zezito para rezar um terço em sua devoção; peguei o meu melhor vestido, aquele que não tinha nenhum remendo, fiz uma trança no cabelo e fui com uma alegria própria das crianças que iria ganhar um lindo brinquedo... Passei por debaixo da cerca de arame farpado com uma rapidez de uma lagartixa; minha alegria era tanta que não percebi que vinha alguém na minha frente montado em um cavalo branco; quando dei por mim fui enfeitiçada com os olhos azuis que me observavam. Passei por ele como se fosse um relâmpago, não tive coragem de olhar para traz, mais sabia que aquele moço me perseguia com o seu olhar... Voltei da venda soltando os bofes pela boca, coloquei as sandálias entre os dedos das mãos e sai em disparada para a casa, não olhei nem para os lados, apenas corri com todas as forças que ainda possuía. Entreguei as velas a minha mãe e me joguei na cama pensando somente no brilho daqueles olhos, o calor do meu corpo aumentou: tive que tomar banho durante a noite e quando as minhas mãos passavam entre as minhas pernas o brilho das estrelas iluminavam como se fossem vagalumes no terreiro... Ao amanhecer não consegui ficar na cama; aqueles olhos me perseguindo, então veio às duvidas: será que irei vê-los novamente? - Ou terá sido uma aparição?
Nessas inquietações não observei que do outro lado da cerca estava o mesmo moço, com mesmos olhos, com o mesmo olhar... Não me chamou mas a sua presença era tão forte que fui; o vento trazia um cheiro amadeirado e com a respiração ofegante fui aproximando; meu coração batia descompassadamente como se fosse um chocalho... Ele me recebeu com um lindo sorriso, os dentes brancos, lábios carnudos, com um olhar que até então não sabia o que era, mas que era muito de bom de si ver...Chegando em sua frente perguntei: - o senhor quer alguma coisa? Ele respondeu:- quero sim! você! Fiquei parada como se fosse um boi a espera de ser ferrado em fogo em brasa; era medo, era desejo, era alucinação; eram muitas sensações em uma só, mais o que dizer? O que fazer?
Ele olhou novamente com aqueles lindos olhos azuis e disse: meu nome é Isidoro quero você! O homem estendeu a mão e me ofereceu a garupa; e dizendo:- quer saber onde está o amor?- Não tenha medo dos sentimentos; venha comigo descobrir os encontros e despedidas da vida; e juntos perpetuaremos o nosso amor... Eu apenas respondi: - sei o que é o amor!Ele , está nos olhos do Sr. Isidoro...

13 comentários:

Aprendiz disse...

Alberto, estou encantada com a prosa (erus)dita sertaneja. Estou eu, também, (re)conhecendo o amor tanto nas topadas quanto nos olhos de Isidoro - dádiva para os oprimidos.

Alberto Pires disse...

Carlos Cintra comentou seu link: "Curti muito! Lindo!"

Alberto Pires disse...

Waldeck Francisco Alves comentou seu link: "BELISSIMO"

Alberto Pires disse...

Marcia Gonçalves kkkkkk. Pois é. O péssimo do Alberto Luiz Pires Silva costuma transformar em literatura os fatos do cotidiano sertanejo.... Coisa de gente péssimooooooo .... kkkkkkk

Alberto Pires disse...

Marcia Gonçalves Parece que já ouvi um conto desse, na vida real....

Alberto Pires disse...

Rodrigo Santana Costa Que história linda Alberto Luiz Pires Silva! Num ambiente marcado pela simplicidade, com uma personagem repleta inquietações, de candura, de encantamento e diante de um sentimento misterioso que se não fosse os olhos de Isidoro, talvez ela ...carregasse para o resto de sua vida a impressão dos dissabores dos pais. É impressionante como um olhar apaixonado pode dizer o indizível, neste momento as palavras são poucas para descrever o que acontece de fato. Isso é o que eu posso chamar de uma belíssima história de um amor à primeira vista. Parabéns.

Alberto Pires disse...

Vanda Caribe: Um olhar diz tudo o que as palavras não dizem. vc é d+

Alberto Pires disse...

Simone de Paula : Sempre quero comentar na sua pagina e nunca consigo. Mas falaremos pessoalmente de muitas coisas. Quero passar um dia inteiro com vc, preciso de boas conversas. Te amo!!!

Alberto Pires disse...

Lilian Simões: Isidorante Alberto Luiz Pires Silva,lindo conto!!!Verdadeiro presente para seus fiéis leitores!!!

Crônicas do Imperador disse...

Me fez lembrar do Primo Basílio de Eça de Queiroz.Parabéns!

Alberto Pires disse...

Lívia Gusmão: As primeiras manifestações de amor acontecem na infância, e elas retratam as pessoas que seremos...Para saber o que é o "amor",não precisa pesquisar muito,basta observar algumas lindas e pequenas coisas...ADOREI COMO SEMPRE!!!!

Alberto Pires disse...

Rodrigo Santana disse no face: Li calmamente... forte, realista e faz a gente pensar muito na vida da gente.. achei um texto "clariceano" e por isso amei, Clarice tinha dessas coisas. A Hora da Estrela é prova disso.

Alberto Pires disse...

Bubua Lima disse no face : Muito lindooo!!! amei!!

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